INFERNO: SUA REALIDADE, CASTIGO E IMPLICAÇÕES PARA VIDA CRISTÃ.


RESUMO 

    Para alguns, um tema evitável; para outros, a única saída para tanta maldade no mundo. Por mais que o assunto sobre o inferno gere bastante discursões doutrinarias, não podemos negar o fato de ser um tema de extrema importância para vida local em comunidade. Só há uma forma de evitar que as pessoas sejam condenadas ao inferno, pregando o evangelho. Pregar o evangelho envolve pregar sobre o inferno, sua realidade, castigo e implicações para vida cristã. Porém, precisamos ter bastante cuidado ao falar sobre o inferno. Quando se trata do destino de pessoas que não são cristãs, não podemos colocar nossas opiniões, mas aplicar aquilo que as Escrituras nos ensinam. A pesquisa busca justamente encontrar a verdade bíblica do inferno, e quais as implicações dele para vida cristã. 

PALAVRAS-CHAVES

Inferno; condenação; salvação; vida eterna; castigo eterno.



INTRODUÇÃO

    O cristianismo é conhecido por apresentar uma condenação futura para todos aqueles que não obedecem e nem creem nos mandamentos de Deus. (cf. Dt 32:22; Sl 18:5; Dn 12:2; Ap 20:14) Até porque, a bíblia apresenta várias vezes a existência de dois lugares – um lugar de salvação e o outro de condenação -  o AT, por exemplo, parece deixar bem claro que haveria dois caminhos a seguir. O AT não apresenta especificamente a palavra inferno, mas a palavra que nos é apresentada desempenha o papel com maestria; a palavra que aparece é: Sheol. 

    Tendo um papel peculiar, quase sempre ela se refere a um lugar vazio e de trevas (cf. 1 Sm 2:9) que muitos linguistas têm traduzido por inferno. O AT aponta vários indícios de que esse local é de punição, por mais que muitas vezes a palavra Sheol esteja relacionada à sepultura e morte. (cf. Gn 37:35) Esse local recebe uma ênfase maior por se tratar da separação eterna de Deus; local ausente de Deus seria o mesmo que um local dominado pela tristeza e sofrimento eterno.[1] O AT não faz uma separação exata para onde as pessoas vão depois que morrem, mas apresentam, com certeza, um local de punição. No AT, tecnicamente, todos os que morrem vão para o Sheol.

    No NT já temos um facilidade maior, pois são designadas duas palavras para o local da vida após a morte – Hades e Lago de fogo – a primeira palavra tem a mesma especificidade da palavra no AT (um local de mortos), porém remete ainda mais à condenação, visto que aqueles que morreram na esperança do Cristo desfrutariam d’Ele. (cf. Lc 12: 13-21; At 7: 54-60) porém, talvez, seja a palavra lago de fogo que constate melhor a ideia de um local de condenação. 

    A palavra comumente usada para inferno no NT é Géenna (γέεννα) um local que ficava a sudoeste de Jerusalém, local onde eram realizados sacrifícios humanos; depois dos mandatos do rei[2] o vale passou a ser um local para queimar lixo, Jesus usa a imagem do vale para comparar com a punição eterna. A partir desse conhecimento, muitos dizem que não podemos levar a imagem do inferno como algo sério, até porque, o próprio Cristo comparou-o com um lixão. Essa visão, porém, não faz sentido. Jesus em muitas partes do seu ministério usou de figuras cotidianas para revelar a verdade espiritual. (cf. Mt 12: 43-45; Mc 4: 26-29; Lc 19:1-9) Ou seja, a  palavra lago de fogo não apenas mostra a ideia de um local de punição, como também reforça essa ideia; “onde o fogo não apaga e seu bicho não morre... Mt 24.45”

O INFERNO É ETERNO? – AS IMPLICAÇÕES PARA VIDA CRISTÃ

     Talvez o grande debate esteja aqui - a eternidade do inferno. Muitos usam de argumentos que o inferno não seria necessariamente eterno, mas um local de aniquilação dos ímpios. Teólogos como John Wenham e John Stott criam que o inferno não era necessariamente um lugar de punição eterna, mas um local de punição dos ímpios.[3] A visão tradicional que levamos é que o inferno é um lugar eterno de punição, todos que para lá vão, irão sofrer eternamente, até porque a punição do inferno equivale à vida futura no céu, ou seja, eternamente.


    Porém a discursão vai muito além do que concepções do inferno; como já referi temos que ter bastante cuidado para tratar sobre o destino eterno de pessoas, nesse momento temos que deixar as escrituras falarem. E as escrituras parecem deixar clara a situação depois da morte do homem; o juízo. Isso é algo inegável e que as escrituras assumem que irá acontecer com todos. (cf. João 16:8-11) O cerne da questão está em o que acontece com o homem depois que ele morre; ele já vai passar pelo juízo ou sua alma irá dormir enquanto ele aguarda o juízo, ou ainda, a alma do ser humano simplesmente para de existir? Para entender a visão mais concernente das escrituras precisamos dialogar com todas as visões que interpretam o fim do homem.

OS MATERIALISTAS 

     Para os materialistas[4] o grande propósito da vida está no aqui e no agora, não faz sentido esperarmos algo vindouro, o fim do homem é ele mesmo.[5] Boa parte dos materialistas são deterministas, em um sentido mais fatal de tudo. O homem não tem um sentido pelo qual vale a pena, se possível, morrer por ele. O escritor russo Fiódor Dostoievski[6] escreveu um livro que viria a ser um clássico - Os Irmãos Karamazov – em determinada parte do livro aparece algo interessante – Se Deus não existe tudo é permitido[7] - vários materialistas já tentaram responder essa frase usando a lógica, porém nenhuma delas faz sentido.

     Se não enfrentaremos um juízo, por que se preocupar com o que fazer ou deixar de fazer? Essa questão vai desde a concepção mais simples, como: fazer algo que sempre quis fazer, mas não fiz porque tenho medo do que me aguarda no futuro; e desobedecer às leis, do que importa passar um período preso? Os materialistas podem negar, mas o homem, no intimo do seu ser, têm noção do juízo e da punição que todos os homens enfrentarão (cf. Ap 20.1) por isso, muitos se “comportam” pois todos os homens sabem o que está por vir.[8]


ANIQUILAÇÃO DOS ÍMPIOS

     Frequentemente, ficamos com a impressão de que a igreja primitiva foi um período improdutivo no que diz respeito à doutrina do Inferno e da escatologia em geral. Afinal, nenhum concílio geral tratou as doutrinas escatológicas da mesma maneira que os temas trinitários e cristológicos foram tratados. As declarações de crédito, por sua vez, dão apenas uma atenção mínima às questões escatológicas. Típico dessa tendência é o Credo dos Apóstolos[9] com sua fala de Cristo vindo para julgar os vivos e os mortos e com sua simples afirmação de crença na 'ressurreição da carne e vida eterna'. O único credo que dá um lugar um pouco mais extenso ao julgamento é a composição tardia comumente, mas enganosamente conhecida como o Credo de Atanásio. Enquanto a maioria de suas cláusulas detalham as conclusões da doutrina trinitária e cristológica, no final há uma referência ao Inferno - “Na vinda de Cristo, todos os homens ressuscitarão com seus corpos e darão contas de suas próprias obras. E aqueles que fizeram o bem irão para a vida eterna, e aqueles que fizeram o mal, para o fogo eterno.”

    Entrar em tais detalhes reflete um desenvolvimento relativamente tardio no oeste, provavelmente derivando da influência de Agostinho. Os credos anteriores eram mais restritos. No terreno eles percorreram, uma vez que foram projetados para serem memorizados pelos mais simples dos crentes durante seu treinamento como catecúmenos. Além disso, tal era a reverência associado ao breve credo que normalmente era afirmado no batismo de que havia relutância em mudá-lo, mesmo que em pequena escala. O Credo Atanásio, por sua extensão e detalhes, marcou o afastamento dessa prática. Não era um credo para o crente simples na época de seu batismo; refletia uma mentalidade diferente de que, para garantir a salvação, o crente precisava de uma compreensão firme e detalhada de uma teologia sólida. Essa mentalidade, no entanto, falhou em suplantar a abordagem anterior às declarações de credos que encorajavam a concentração nos fundamentos básicos da doutrina cristã.[10] Por mais que durante a história da igreja tenha surgido ideias como o purgatório, a concepção do inferno vai além disso.

    A bíblia não apresenta o inferno como aniquilativo, mas como uma punição que durará a mesma proporção do céu, ou seja, eternamente. A palavra hebraica para eternamente aparece no AT em Daniel 12:2, onde diz: “E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno.” A palavra que destaquei (eterno) no hebraico é (לחרפות) e conotação dela é eternamente. 

     Para continuar a entender precisamos continuar vendo o que o próprio versículo diz; muitos (…) que dormem - “muitos dentre os adormecidos… estes serão para a vida eterna; mas aqueles (o resto dos adormecidos que não acordam neste momento) serão envergonhados ”[Tregelles]. Não a ressurreição geral, mas a daqueles que participam da primeira ressurreição; o resto dos mortos não deve ressuscitar até o final dos mil anos (Apocalipse 20: 3, 5, 6; compare 1 Co 15:23; 1 Ts 4:16). A ressurreição nacional de Israel, e a primeira ressurreição da Igreja eleita, estão similarmente conectadas com a vinda do Senhor de Seu lugar para punir a terra em Is 26:19, 21; 27: 6. Compare Is 25: 6–9. Os comentaristas judeus apóiam Tregelles. Auberlen pensa que o único propósito pelo qual a ressurreição é introduzida neste versículo é um incitamento à perseverança fiel nas perseguições de Antíoco; e que não há conexão cronológica entre o tempo de angústia em Da 12: 1 e a ressurreição em Da 12: 2; de onde a frase, "naquele tempo", ocorre duas vezes em Da 12: 1, mas sem fixação de tempo em Da 12: 2, 3; 2 Macabeus 7: 9, 14, 23, mostra o fruto dessa profecia em animar a mãe Macabeus e seus filhos para a morte corajosa, enquanto confessava a ressurreição em palavras como essas aqui. Compare Hb 11:35. A visão de Newton de que "muitos" significa todos, não é tão provável; pois Ro 5:15, 19, que ele cita, não está em questão, visto que o grego é “os muitos”, isto é, todos, mas não há nenhum artigo no hebraico aqui. Aqui apenas no Antigo Testamento é mencionada a “vida eterna”.[11] O resumo para essa visão é, o inferno apresentado na bíblia deve ser interpretado de maneira séria e responsável. Ele não é aniquilativo, pois tem a mesma duração do céu (Daniel 12:2), a punição é justa, pois é o resultado da desobediência contra Deus.[12]

A VISÃO TRADICIONAL DO INFERNO 

    Nessa parte não me deterei a olhar bastantes contextos exegéticos, pois já fiz isso no ponto de vista anterior, mas agora gostaria de mostrar qual a visão tradicional da igreja, e como ela influencia a vida dos crentes até os dias de hoje.[13] A visão tradicional do inferno é aquela que tem sido defendida desde os períodos dos pais apostólicos.[14] Todos os argumentos respondidos no ponto de vista anterior, é em suma parte, defendidos pelos pais da igreja. Por exemplo, Inácio de Antioquia escreve uma carta aos efésios é fala do destino daqueles que morrem sem a esperança do Cristo:

“Não vos iludais, meus irmãos, os corruptores da família não herdarão o Reino de Deus. Pois, se pereceram os que praticavam tais coisas segundo a carne, quanto mais os que perverterem a fé em Deus, ensinando doutrina má, fé pela qual Jesus Cristo foi crucificado? Um tal, tornando-se impuro, marchará para o fogo inextinguível, como também marchará aquele que o escuta. Por isso, recebeu o Senhor unção sobre a cabeça  para exalar em favor da Igreja o perfume da incorrupção. Não vos deixeis ungir pelo mau odor da doutrina do príncipe deste mundo, de forma que vos leve cativos para longe da vida que vos espera. Por que não nos tornamos prudentes, aceitando o conhecimento de Deus, isto é, Jesus Cristo? Por que morrermos tolamente, desconhecendo o dom que o Senhor nos enviou de verdade?”[15]

Não apenas Inácio que declarou sobre o fogo inextinguível, mas também Irineu de Lyon, talvez um dos pais apostólicos mais influentes da igreja. Veja o que ele diz sobre o inferno e condenação: 

“No Novo Testamento, cresceu fé dos homens em Deus, ao receberem o Filho de Deus como um bem adicionado a fim de que os homens tivessem a participação de Deus. Da mesma forma aumentou a perfeição do comportamento humano, pois somos instruídos a abster-se não só de más ações, mas também dos maus pensamentos (Mt 15,19)de palavras ociosas, expressões vãs (Mt 12, 36) e licenciosos discursos (Ef 5, 04):deste modo também ampliou a punição daqueles que não acreditam na Palavra de Deus, que desprezam sua vinda e recusam, porque não vai ser mais temporária, mas eterna. Para tais pessoas, o Senhor dirá: ‘Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno’ (Mateus 25:41), e será para sempre condenado. Mas aos outros vai dizer: ‘Vinde, benditos de meu Pai, recebam por herança o reino preparado para vós desde sempre’(Mt 25, 34),e receberão o reino onde eles terão um progresso perpétuo. Isso mostra que um e o mesmo Deus, o Pai, e que a Sua Palavra está sempre do lado da humanidade, com economias diferentes, realizando vários trabalhos, poupando aqueles que foram salvos desde o início, isto é, para aqueles que amam a Deus e de acordo coma sua capacidade de seguir a sua palavra e, a julgar aqueles que estão condenados, ou que se esquecem de Deus, blasfemam e violam a sua palavra.”[16]

O que podemos aprender com simples argumentos de pessoas que viveram na mesma época dos apóstolos? Primeiro, a visão tradicional, e que deve ser defendida é que o inferno é um local de punição para o qual está reservado para o diabo, seus anjos e todos os que não obedecem ao santo evangelho. Segundo, pessoas que negam a realidade do inferno quase sempre desprezam aquilo que também seria a justiça de Deus na vida dos seres humanos, em especial, aqueles que obedecem ao evangelho. 

CONLUSÃO 

  O inferno, sobretudo, mostra a graça e justiça de Deus. Ele é real, ele se manifesta na desobediência dos seres humanos, e só há uma forma de livrar as pessoas desse local; pregando o evangelho! 



[1] Santo Irineu, contra as heresias IV, 28,2


[1] Inácio de Antioquia, Carta aos efésios, 16-17



[1] Recomendação de artigos para estudo mais aprofundado: Is Hell for Ever? - Douglas C Spanner; O QUE É O INFERNO - MINISTÉRIO FIEL; A REALIDADE BÍBLICA DO INFERNO - TEOLOGIA BRASILEIRA; O inferno está vazio e os demônios estão aqui”: uma reflexão existencialista sobre a História dos Infernos em diálogo com o demoníaco em Paul Tillich; THE DOCTRINE OF HELL - PAUL TRIPP

[2] Os padres apostólicos (ou pais apostólicos) eram teólogos cristãos centrais entre os Pais da Igreja que viveram nos séculos I e II d.C, que se acredita terem conhecido pessoalmente alguns dos Doze Apóstolos, ou que foram significativamente influenciados por eles.


[1] Brown, David, Fausset, A.R, Jamieson & Bobby, Commentary Critical and Explanatory on the whole bible, Daniel chapter 12:2

[2] Nessa parte não me detive a explicar todos os outros textos que falam sobre a punição eterna. Recomendo ao leitor que leia o artigo Douglas C Spanner - Is Hell for Ever? 



[1] Graham Keith, Patristic Views on Hell-Part 1, p.217-218



[1] O Credo dos Apóstolos, às vezes intitulado o Credo Apostólico ou o Símbolo dos Apóstolos, é um credo cristão ou "símbolo da fé". Provavelmente se originou na Gália do século V, como um desenvolvimento do Antigo Símbolo Romano, o antigo credo latino do século IV.


[1] Jonathan Edwards, The Justice of God in Damnation, p.4



[1] O materialismo é uma forma de monismo filosófico que sustenta que a matéria é a substância fundamental da natureza e que todas as coisas, incluindo estados mentais e consciência, são resultados de interações materiais.

[2] Materialism in Works by I.P. Pnin and P.- H.T. Holbach: Comparative Analysis, p. 235

[3] Escritor russo autor de Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo, obras-primas da literatura universal.

Seus romances abordam questões existenciais e temas ligados à humilhação, culpa, suicídio, loucura e estados patológicos do ser humano.

[4] Fiódor Dostoievski, Os irmãos Karamazov, página 109, da editora 34.



[3] Para conhecer a posição dos nomes citados leia:

John Wenham – (The Case for Conditional Immortality. Disponível em https://www.truthaccordingtoscripture.com/documents/death/Wenham)

John Stott – (HELL: NEVER, FOREVER, OR JUST FOR AWHILE? – disponível em https://www.tms.edu/m/tmsj9f)



[2] Referência a 2 Reis capítulo 3 


[1] Hipona, Agostinho – Diálogo com o livre arbítrio: livro 1 p.81



Felipe Castro é apresentador oficial do canal - Assuntos Teológicos - e todos os outros meios de comunicação da marca. Desde 2020 vem produzindo conteúdos teológicos na internet com o intuito de glorificar a Deus e edificar a igreja. Também trabalha como editor chefe e escritor na - Editora Casa Cristã - onde produzem conteúdo teológicos, livros, sermões e palestras sobre teologia.